Nos últimos anos, temos visto um crescimento preocupante de profissionais de educação física oferecendo tratamentos de reabilitação de lesões e alívio de dores, áreas que são, por lei e formação, de responsabilidade dos fisioterapeutas. Mas por que essa invasão está acontecendo? E, mais importante, como podemos proteger nossa profissão e garantir que os pacientes recebam o cuidado adequado?

O Que Diz a Lei?
Vamos começar com o básico: o que diz a legislação sobre a atuação dos fisioterapeutas? Segundo o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), a fisioterapia é definida como “uma ciência da saúde aplicada, cujo objeto de estudo é o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades.” Além disso, o Decreto-Lei nº 938/69 e a Resolução COFFITO nº 8 de 1978 deixam claro que cabe ao fisioterapeuta o diagnóstico, o planejamento e a execução do tratamento de disfunções do movimento e da função física, que resultem de traumas, doenças ou outros fatores.
Fato Importante: De acordo com o artigo 3º da Resolução COFFITO nº 10 de 1978, é competência privativa do fisioterapeuta “a execução dos métodos e técnicas fisioterapêuticas com a finalidade de restaurar, desenvolver e conservar a capacidade física do paciente.”
Já os profissionais de educação física, regulados pelo Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), têm sua atuação voltada para a promoção da saúde por meio da prática de atividades físicas, esportivas e recreativas. Ou seja, não possuem a formação específica nem a autorização legal para diagnosticar ou tratar lesões, muito menos para lidar com condições de dor que exigem um conhecimento aprofundado em fisiopatologia.
O Papel do Fisioterapeuta na Reabilitação
A reabilitação de lesões é uma área complexa que exige conhecimento profundo em anatomia, fisiologia, biomecânica e patologia. O fisioterapeuta, ao longo de sua formação, é treinado para avaliar clinicamente as disfunções, identificar a causa subjacente da dor ou da limitação funcional, e desenvolver um plano de tratamento individualizado que vai além do simples alívio dos sintomas, promovendo a recuperação completa e prevenindo recidivas.
Dado Científico: Estudos mostram que o tratamento fisioterapêutico adequado reduz significativamente o tempo de recuperação de lesões musculoesqueléticas e diminui a probabilidade de complicações crônicas. Segundo um estudo publicado no Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, pacientes que recebem tratamento de fisioterapia logo após uma lesão têm 40% menos chances de desenvolver dor crônica em comparação com aqueles que não recebem (Ref. Jones et al., 2019).
Por que a Atuação de Profissionais de Educação Física na Reabilitação é Preocupante?
Quando profissionais de educação física tentam atuar na reabilitação, várias questões preocupantes surgem:
- Falta de Diagnóstico Adequado: Profissionais de educação física não são treinados para diagnosticar lesões. Sem um diagnóstico correto, o tratamento pode ser ineficaz ou, pior, causar mais danos ao paciente.
- Risco de Tratamentos Inadequados: Sem o conhecimento necessário sobre fisiopatologia, há um risco maior de que os métodos aplicados possam agravar a lesão ou mascarar sintomas, sem realmente tratar a causa raiz.
- Confusão no Mercado: A atuação desses profissionais em áreas que não lhes competem legalmente cria confusão para o público em geral, que pode não entender a diferença entre um treino supervisionado e um tratamento fisioterapêutico especializado.
A Importância da Formação e da Especialização
A diferença entre fisioterapeutas e profissionais de educação física não está apenas na legislação, mas também na formação. Fisioterapeutas passam por um treinamento acadêmico rigoroso, seguido por especializações que podem incluir ortopedia, esportes, neurologia, entre outras. A prática fisioterapêutica envolve técnicas específicas como cinesioterapia, eletroterapia, terapia manual, além da prescrição de exercícios terapêuticos — todas fundamentadas em evidências científicas robustas.
Exemplo Prático: Um paciente com lesão no manguito rotador, por exemplo, pode necessitar de terapia manual para mobilização articular, técnicas de liberação miofascial, e um programa específico de exercícios de fortalecimento e alongamento. Esses tratamentos exigem um conhecimento detalhado da anatomia funcional e das respostas fisiológicas ao tratamento, algo que só o fisioterapeuta possui.
Como Proteger a Profissão e o Paciente?
Proteger a profissão e garantir a qualidade do atendimento ao paciente requer uma ação conjunta. Aqui estão algumas estratégias que podemos adotar:
- Educação e Conscientização: Informar os pacientes sobre a importância de buscar tratamento com profissionais qualificados e licenciados para a reabilitação de lesões. Isso pode ser feito por meio de campanhas de conscientização nas redes sociais, blogs e na própria clínica.
- Denúncia e Fiscalização: Casos de atuação ilegal devem ser denunciados ao CREFITO, que é responsável por fiscalizar o exercício da profissão e tomar as medidas cabíveis contra quem infringe a lei.
- Colaboração Interprofissional: Fisioterapeutas e profissionais de educação física podem trabalhar em conjunto, mas cada um dentro de sua área de competência. Enquanto o profissional de educação física promove a saúde e o condicionamento físico, o fisioterapeuta deve ser responsável pelo diagnóstico e tratamento de disfunções e lesões.
Conclusão: Defenda Sua Profissão com Orgulho
A invasão da fisioterapia por profissionais de educação física é uma questão séria que deve ser enfrentada com firmeza e clareza. Como fisioterapeutas, é nossa responsabilidade garantir que nossos pacientes recebam o tratamento adequado, baseado em evidências científicas e dentro dos limites legais estabelecidos. Defender a profissão é, acima de tudo, proteger a saúde e o bem-estar daqueles que confiam em nosso conhecimento e habilidade.
Gatilho de Ação: Se você é fisioterapeuta, não se intimide em defender sua profissão. Use os argumentos aqui apresentados, baseados na lei e na ciência, para educar seus pacientes e colegas de trabalho. E, acima de tudo, continue a oferecer o melhor cuidado possível, sabendo que você está amparado pela legislação e pelo seu conhecimento especializado. Denunciem para nosso conselho esses profissionais.
Referências:
- Jones, A. R., et al. (2019). “Effectiveness of Early Physical Therapy in the Management of Acute Musculoskeletal Disorders.” Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, 49(1), 35-45.
- COFFITO. (1978). “Resolução COFFITO nº 8, de 20 de Fevereiro de 1978.” Disponível em: [link]
- COFFITO. (1978). “Resolução COFFITO nº 10, de 03 de Junho de 1978.” Disponível em: [link]
- CONFEF. (2002). “Resolução CONFEF nº 046/2002.” Disponível em: [link]